Bem-vindo. Este texto tenta refletir a experiência do autor – Silvio Meira – com dezenas de empreendimentos de todos os tamanhos, desde projetos de software com poucas pessoas, startups com a energia de dois fundadores e mais ninguém, negócios que rolam há 20 anos com centenas de pessoas em várias bases e grandes operações com milhares de colaboradores.
Todos e cada um deles envolvidos, agora, no rolo que se convencionou chamar de transformação digital.
Que afeta de startups a quem faz negócios há décadas e empresas que fazem digital para terceiros mas que, por dentro, parecem com as corporações hierárquicas dos anos 1960, 1930. Ou antes. Depois de décadas de investimentos e alta frequência de mudanças, plataformas digitais chegaram num plateau de estabilidade, entendimento e performance que aponta para possibilidades de mudança radical, traduzidas pelo redesenho de estratégias, táticas e operações dos negócios, agora e no futuro realizáveis sobre infraestruturas, serviços e aplicações digitais. Quando tal acontece, você deixa de ser cliente e se torna usuário, e gerente, num app, de um cartão de crédito que foi aberto sem você falar com ninguém. De repente, rearranja-se toda a cadeia de valor, tudo fica de cabeça pra baixo, seu negócio e organização juntos.
Do lado de lá, dentro do cartão, o negócio virou plataforma para sua performance, sem que ninguém interfira nas suas interações. Lá, ninguém lhe atende, no sentido de participar de sua transação de alguma forma e, ao mesmo tempo, todos lhe atendem, pois todos trabalham nas plataformas que entregam a performance que você demanda 24/7/365. Saem gerentes e caixas, entram designers e coders. Saem lojas, agências e filas, entram serviços na rede, interfaces… e os novos problemas de usabilidade, confiabilidade, performance e segurança.
Tudo acontece como se quase nada estivesse mudando, uma leitura que ainda é dada por muitos, mas quase tudo está mudando. Não se trata apenas de novos sistemas de informação, mas novos e radicais entendimentos, comportamentos, experiências e consumidores. Para e no negócio, o que é uma surpresa para donos, sócios, acionistas, conselheiros e executivos.
De repente, os colaboradores se comportam quase como os clientes e exigem que o negócio, para eles, seja uma plataforma de performance pessoal. Isso não estava no radar, nunca esteve. As empresas vinham informatizando seus processos de sempre, há décadas, e tudo corria de acordo com os planos de cada uma, até que os clientes, nos seus smartphones, se informatizaram e se transmogrifaram em usuários.
De repente, entender a jornada desse novo consumidor digital passou a ser chave da sobrevivência para qualquer negócio. E as empresas começaram a entender o que era a transformação digital: os clientes haviam se transformado em usuários e tinham, ou queriam ter [ou elas, empresas, deveriam querer que eles tivessem, com elas] uma conexão tão intensa e permanente como têm com Google, Facebook e Twitter.
Tais conexões, nos negócios naturalmente digitais, foram orquestradas a partir do zero, sem qualquer legado corporativo entre o desejo de [se] conectar [com os] usuários e a realização desse feito. Plataformas como Uber e AirBnB descobriram, rapidamente, como criar conexões com provedores e consumidores de serviços 8 e como as interações, nos mercados em rede que criaram, dependia essencialmente do domínio da interface com o usuário. Uber foi o primeiro a tomar o usuário dos fabricantes. Daí pra frente, foi uma avalanche só.
Não que isso estivesse claro quando a revolução começou, há 25 anos, com a internet nas casas, aqui e ali. Ficou mais claro há uns 10 anos, com smartphones nas mãos dos poucos que tinham posses para aparelhos e contas. E é óbvio agora, quando 75% da população do planeta terá um smartphone conectado em 2020 e que, na próxima década, mais de 20 bilhões de dispositivos da Internet das Coisas estarão [pelo menos em parte] associados a pessoas em rede.
A gente contou parte dessa história em Sinais do Futuro Imediato, um outro texto da muchmore.digital publicado em abril deste ano, em bit.ly/muchmoresinais. Vá ver.
Aqui a gente vai discutir os impactos da transformação digital para as pessoas, nos negócios.
Porque a grande transformação, nas próximas décadas, afetará pessoas, seu conhecimento e habilidades, formas de trabalhar e se articular, entender e atender clientes e consumidores, evoluir e se manter competitivas.
E os negócios, empresas e suas estruturas formais e informais serão os lugares onde isso acontecerá. Não há como entender transformação digital -muito menos seus efeitos nas pessoas, suas habilidades e carreiras- na academia. Esse conhecimento [ainda] não está lá, formalizado, para ser entregue em cursos.
E é bem capaz de, por causa dos efeitos da transformação digital nos ambientes de conhecimento e aprendizado, nunca venha a estar, na forma clássica a que estávamos acostumados. Resta aprender fazendo, tentando, com erros e acertos, e refazendo tudo depois de aprender fazendo a primeira vez. Bem-vindo a um contexto fluido e incerto, com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que é difícil até saber o que já aconteceu ou não. Se você tem a impressão de que as coisas estão mudando muito e muito rapidamente, é porque estão mesmo. E fique com um segredo, só nosso: comparado com o deve acontecer nos próximos 25 anos, tá tudo muuuito lento. Até demais. Pode crer.
E o sufoco será, como sempre, para as pessoas. É disso que este texto trata. Mas não de forma linear e com receitas de bolo pra você voltar ali no seu negócio e resolver as dificuldades de seu pessoal. Não é assim que funciona, você sabe. Porque há muitos novos problemas, conceitos, entendimentos e propostas a tratar e, em nenhuma das dimensões do problema de gente na transformação digital a solução é universal, aplicável a todos os negócios, de todos os tamanhos, em todos os mercados. De mais de uma forma isso é bom, porque cria a possibilidade de cada negócio ser único, no universo digital. Por outro lado, cria a dificuldade de cada um ter que tratar seu negócio e organização como únicas, no mercado, para sobreviver e se diferenciar. Nas próximas páginas, vamos começar detonando a ideia de que as empresas existentes deveriam virar startups. Como você verá, isso não existe.
Depois, vamos falar da velocidade das mudanças e de informaticidade, o plateau de performance atingido, nos últimos anos, pelas tecnologias de informação e comunicação [que não irão ficar aí, por sinal, mas isso é outra história]. Em seguida, vamos discutir as ideias de um novo modo operacional para as organizações entrarem na era digital, da McKinsey, de mentalidade digital nas organizações que estão 9 na liderança do processo de transformação, segundo a SAP, e de organização simplesmente irresistível, da Deloitte, e como as três noções podem ser e estão sendo articuladas. E como você pode fazer isso no seu negócio.
Aí discutiremos porque, na maioria dos casos, empresas estabelecidas não irão fazer uma revolução digital nas suas organizações, mas sim uma evolução digital, e porque isso acontecerá mais facilmente se houver talentos empoderados na base das empresas, especialmente nas de pequeno e médio porte, e em lugares como o Brasil. A CapGemini tem um arcabouço interessante para essa mudança e ele fará parte da nossa conversa. Vamos estabelecer a ideia de que a sobrevivência das organizações, na era digital, depende de uma cultura de mudança permanente, associada a apostas digitais feitas continuamente, em todos os níveis do negócio.
Isso só acontecerá se as lideranças, distribuídas em todos os níveis, estiverem focadas em sobrevivência e se for resolvido, na empresa, o grande conflito pela interface pelo usuário. Organizações digitais não têm clientes, mas usuários; e todos, no negócio, têm que ter um só foco, o relacionamento com o usuário. Se seu negócio não se articular ao redor dele, tudo estará perdido. Ainda mais, como cada um, dentro do negócio, é usuário de suas plataformas… todas as interfaces devem ser preocupação e foco de atividade, constante, de todos os líderes.
Quase para terminar, vamos discutir porque empresas competem, na verdade, por capital humano. Ainda mais agora, na transformação digital, quando as organizações estão passando a ser agregadores de demandas por habilidades, num contexto fluido de carreiras mutantes e evolução contínua e rápida do conhecimento. Por fim, voltando 25, 50 anos, vamos descobrir que quase tudo o que está acontecendo agora já estava escrito.
Quem leu e aproveitou as lições da teoria para testar, tentar, errar e aprender, na prática, antes dos outros, está lááá na frente.
Quem não leu ou,se leu, não entendeu a gravidade do que estava por vir para seus negócios e interesses… está chorando lágrimas digitais.
Boa parte da história do futuro da sociedade do conhecimento ainda não foi lida… e a gente termina dizendo que é preciso ler e reler história[s] e, ao mesmo tempo, para não cair na mesma armadilha do passado, as empresas precisam [saber] ler ficção científica.
Começando agora.
O texto tem dezenas de referências sobre a sociedade e economia do conhecimento e transformação digital, que você deveria considerar para entender o que está acontecendo e para acontecer. Outras dezenas de sínteses visuais, gráficos e tabelas deixarão uma memória imagética do que estamos querendo dizer.
E queremos dizer que transformação digital acontece através das pessoas, com as pessoas e nas pessoas.
Que qualquer estratégia de transformação digital é, necessariamente, uma estratégia de transformação de pessoas.
Boa leitura.
Este não é um texto linear. Os assuntos voltam à tona, aqui e ali, porque às vezes é necessário, no contexto. Mas cada seção é quase autocontida e dá pra você abrir em qualquer lugar e começar a ler… agora.
Pra mim, foi um prazer escrever. Um dia, quem sabe, Adriana Salles Gomes vai pegar esse texto, o Sinais… e mais um que ainda não está escrito, sobre Modelos de Negócios na Transformação Digital, e transformar num livro.
Mas isso, no momento, é teoria, quase ficção.
Que, como quase toda boa ficção, é capaz de acontecer…
Silvio Meira